Um conjunto documental com milhares de páginas, cuidadosamente reunidas ao longo de mais de duas décadas por Derlei Catarina de Luca, agora está disponível em formato digital em Florianópolis. Natural de Santa Catarina, Derlei foi perseguida, presa e exilada durante o regime militar brasileiro. Sua vida e militância resultaram na criação de um dos mais relevantes acervos sobre as vítimas da ditadura, que hoje pode ser acessado por pesquisadores e pela sociedade por meio da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Derlei foi uma das centenas de estudantes detidos em 1968 durante o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), evento que marcou a resistência estudantil ao regime militar. Presa e fichada em 12 de outubro daquele ano, ela foi levada ao DOPS em São Paulo e depois transferida para Florianópolis, onde foi solta sob vigilância. Em uma das cartas mantidas no acervo, ela descreve como a polícia a soltou de forma dispersa pela cidade para evitar manifestações dos estudantes que aguardavam sua chegada.

Dois meses após o AI-5, Derlei deixou Florianópolis sem dizer a ninguém. Iniciava-se ali seu exílio, que incluiu passagens por Chile, Panamá, Peru e Cuba. De volta ao Brasil anos depois, ela transformou a dor em missão: reuniu documentos, cartas, fotografias, recortes de jornais, listas e dossiês sobre pessoas perseguidas, presas ou mortas pela repressão. Boa parte desses arquivos agora está organizada e sob a guarda do Acervo Memória e Direitos Humanos da UFSC, disponível mediante cadastro no site da instituição.
O acervo inclui boletins do Serviço de Polícia do Exército, registros de espionagem dentro da UFSC, questionários aplicados a presos políticos, listas de vítimas da repressão e manuais militares de interrogatório. Há também fotografias originais de funerais, congressos estudantis e da atuação do Comitê Catarinense Pró-Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos, coordenado por Derlei desde os anos 1990.
Entre os casos documentados estão o de Arno Preis, guerrilheiro enterrado com identidade falsa, e o de Higino João Pio, prefeito de Balneário Camboriú cuja morte foi forjada como suicídio. Também há registros de outros catarinenses como Divo Fernandes D’Oliveira, Rui Osvaldo Aguiar Pfutzenreuter e Paulo Stuart Wright.
Ao todo, são 12 caixas com mais de mil itens já indexados, organizados desde 2022 com apoio de uma equipe multidisciplinar formada por historiadores, museólogos, especialistas em ciência da informação e estudantes. Cada documento é digitalizado com atenção à ordem original e decifrado com base nos códigos, siglas e codinomes usados pelos órgãos da repressão.
Além da UFSC, parte dos documentos também está sob a guarda da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), no Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas (IDCH).
A importância do acervo vai além da preservação da memória. Ele permite que novos pesquisadores, estudantes, autores de teses e trabalhos acadêmicos acessem informações únicas, muitas das quais não constam em nenhum outro repositório. Em Florianópolis, o passado de dor e resistência de muitos catarinenses encontra, enfim, um lugar de memória e justiça.

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