Em Florianópolis, uma decisão de arrepiar do Tribunal de Justiça de Santa Catarina reacendeu a esperança de uma mãe que, por décadas, lutou silenciosamente pelo direito de ser reconhecida no registro de sua própria filha. A mulher buscou judicialmente o reconhecimento da maternidade biológica, mesmo após o falecimento da jovem, ocorrida em 2021, durante a pandemia de Covid-19.
A filha nasceu em 1976, período em que barreiras sociais e legais impediram a mãe de registrá-la. Na época, a mulher era casada com outro homem, o que tornava extremamente difícil, e até malvisto, o reconhecimento de filhos fora do casamento. Como resultado, o nome da mãe não constava na certidão de nascimento da criança, registrada apenas com o nome do pai.
O primeiro pedido da mãe na Justiça foi negado com base no artigo 1.614 do Código Civil, que exige o consentimento do filho maior para reconhecimento de filiação. Como a filha já havia falecido, o juiz entendeu que não havia interesse jurídico no caso. Mas a dor e a busca por reparação não terminaram ali.
Ao recorrer da decisão, a mãe teve sua história finalmente acolhida pelo Tribunal, que entendeu que o reconhecimento da maternidade não era um simples gesto simbólico, mas sim uma reparação legítima e necessária — tanto do ponto de vista emocional quanto legal. A medida permitirá, por exemplo, a retificação do registro civil da filha e também o recebimento de indenização por seguro de vida.
Durante o julgamento, os desembargadores destacaram que a Constituição garante o direito à identidade e ao reconhecimento familiar como fundamentais. O Tribunal também considerou uma análise com perspectiva de gênero, reconhecendo que as normas da década de 1970 carregavam um forte peso patriarcal, que penalizava especialmente as mulheres em situações como essa.
O vínculo afetivo entre mãe e filha foi comprovado por meio de fotos, documentos de batismo e relatos sobre a convivência ao longo dos anos. Segundo o entendimento do colegiado, impedir o andamento da ação desde o início foi uma forma de silenciar essa história, e não permitir a apuração completa dos fatos.
Com a nova decisão, o processo vai seguir seu curso, agora com produção de provas e acompanhamento do Ministério Público. A decisão foi unânime entre os desembargadores da 2ª Câmara de Direito Civil, reforçando que o amor e a convivência são os verdadeiros laços que formam uma família — não apenas a formalidade dos documentos.
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