A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, viveu momentos de forte tensão política e emocional nesta sexta-feira (14), durante a sessão do Conselho Universitário que discutiria a retirada do nome do ex-reitor João David Ferreira Lima do campus da Trindade.
O auditório do Centro de Cultura e Eventos estava lotado e cercado por um clima de grande expectativa. Estudantes, professores, representantes de entidades e familiares de envolvidos nas discussões compareceram em peso. O debate girava em torno do relatório da Comissão Memória e Verdade da UFSC, que aponta que Ferreira Lima, primeiro reitor da universidade, teria colaborado com o regime militar, enviando documentos e informações a órgãos repressivos nos anos 1960.
A sessão teve mais de três horas de debates acalorados, exposições técnicas, defesa da família do ex-reitor e manifestações contrárias à manutenção da homenagem. Quando a votação se aproximava, o conselheiro Alexandre D’Ávila da Cunha, representante da FIESC, pediu vistas do processo, o que provocou imediata reação do público presente. Apesar das reclamações, o reitor Irineu Manoel de Souza acatou o pedido com base no regimento do Conselho.
A decisão de suspender a votação revoltou parte dos estudantes, que acusaram o conselheiro de manobra protelatória. Após o encerramento da sessão, um grupo se reuniu na área externa e organizou uma manifestação com gritos de “ditadura nunca mais”, bandeiras da Palestina e críticas ao jornalismo local. Durante o protesto, exemplares do jornal ND+ foram queimados como forma de contestação à publicação de um caderno especial que defendia a manutenção do nome do ex-reitor. Também houve relatos de danos ao busto de Ferreira Lima instalado no campus.
Do outro lado, as reações foram igualmente fortes. Autoridades locais, como o Secretário de Assistência Social de Florianópolis, classificaram os manifestantes como “vândalos” e questionaram a atuação do Ministério Público Federal, cobrando providências. Vereadores também se pronunciaram, acusando os estudantes de intolerância e de serem contraditórios ao criticarem ditaduras ao mesmo tempo em que queimam jornais e atacam símbolos.
Em defesa da família, a advogada Heloisa Blasi contestou o relatório da comissão, afirmando que os documentos que embasam as acusações são frágeis, e que não há provas materiais de perseguições determinadas diretamente por Ferreira Lima. Ela destacou ainda que não teve acesso a processos administrativos dentro da UFSC e pediu mais tempo para apresentar a defesa completa.
O neto do ex-reitor, Gabriel Ferreira Lima, também esteve presente e criticou o tempo restrito dado à defesa. Ele destacou o papel do avô na fundação da UFSC e sugeriu que a análise da trajetória de Ferreira Lima precisa levar em conta o contexto histórico da época.
A comissão responsável pela recomendação de mudança, por sua vez, reafirmou que os documentos descobertos a partir de 2011 apontam a atuação direta do ex-reitor na colaboração com o regime, o que, segundo seus integrantes, torna inaceitável a permanência de seu nome na maior referência geográfica da universidade.
A nova reunião do Conselho Universitário está marcada para terça-feira (17), quando será apresentado novo parecer e a votação acontecerá sem possibilidade de novo adiamento. Ainda não há consenso sobre qual nome o campus poderá adotar caso a homenagem seja retirada, mas opções como Campus Trindade ou Campus Florianópolis estão sendo cogitadas.
A universidade vive, assim, um momento de grande efervescência política, onde memória, justiça histórica, liberdade de expressão e posicionamentos ideológicos se entrelaçam em uma discussão que ultrapassa os muros da instituição e mobiliza toda a cidade de Florianópolis.
Clima político esquenta fora da universidade
Fora dos muros da UFSC, a repercussão ganhou força com manifestações de autoridades municipais. O Secretário de Assistência Social de Florianópolis, Bruno Souza, classificou os manifestantes como “vândalos” e “terroristas”, acusando-os de não aceitarem o contraditório. Em tom inflamado, ele comparou os atos ao comportamento de regimes autoritários e questionou a atuação do Ministério Público Federal diante da destruição de patrimônio.
A vereadora Manu Vieira também se pronunciou, criticando a postura dos estudantes e do DCE. Para ela, a esquerda universitária age de forma contraditória ao clamar por democracia e, ao mesmo tempo, reprimir vozes divergentes. A vereadora pediu o resgate da UFSC idealizada por Ferreira Lima e declarou que os atos de queima de jornais e busto são sinais de intolerância e autoritarismo.
Por outro lado, a posição dos estudantes da UFSC que participaram do protesto no campus Trindade e foram chamados de “vândalos” por autoridades públicas, como o secretário Bruno Souza e a vereadora Manu Vieira, está diretamente ligada à luta por memória, verdade e justiça histórica dentro da universidade, segundo eles.
Eles defendem a retirada do nome do ex-reitor João David Ferreira Lima do campus principal, alegando que ele colaborou com a ditadura militar, sendo responsável por perseguições políticas a professores e estudantes durante sua gestão, entre 1961 e 1971. Essa acusação está baseada em documentos e conclusões da Comissão Memória e Verdade da UFSC, que investigou violações aos direitos humanos na universidade durante o regime militar.
Para os estudantes, manter o nome de Ferreira Lima no campus é uma forma de homenagear alguém que teria sido conivente com práticas autoritárias e antidemocráticas, incompatíveis com os valores que a universidade pública deve promover. O protesto, com palavras de ordem como “Ditadura nunca mais” e bandeiras da Palestina e de Che Guevara, teve como objetivo chamar a atenção para o que eles consideram uma tentativa de silenciamento institucional, já que a votação foi interrompida por um pedido de vistas de um conselheiro ligado à FIESC.
A queima de exemplares de um jornal local e o vandalismo do busto de Ferreira Lima, segundo os próprios estudantes, simbolizaram a rejeição à narrativa defendida pela imprensa tradicional e à continuidade de homenagens a figuras ligadas à repressão. Para eles, os atos não foram vandalismo, mas sim um gesto político radical diante da frustração com a suspensão da votação, vista como uma manobra para impedir a reparação histórica.
Em suas falas durante o protesto, representantes do movimento afirmaram que vão “ocupar os espaços” e fazer a “voz do estudante ser a voz do poder”, indicando que pretendem continuar mobilizados e intensificar as ações até que a mudança seja aprovada.
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